Certezas de araque
A importância de vencer autonarrativas que nos impedem de viver com leveza
Ruído de buzina, fumaça, ruas estreitas. Sinaleiras escassas, buracos e animais na pista. Mão inglesa, poucas regras e calçadas. Em vez de acostamentos, valas gigantes. Engarrafamentos, um mar de motos (o meio de transporte mais comum), carros e pedestres. Este é o trânsito em Ubud, Bali. Antes de chegarmos para passar 8 meses, Alex e eu discutimos: andar de moto com as crianças não seria uma opção. É perigoso. Do alto da minha ingenuidade, enquanto no Brasil, fui firme.
Semanas depois, vejo a cena: Kai, de 5 anos, vai na frente. Aisha, de 7, atrás. Todos de capacete, a caminho da escola. Tiro a foto e mordo a língua com o coração apertado. “Cuidem-se!”, balbucio.
Ao chegar em Ubud, entendi que uma vida dependente de carro seria um inferno. Aisha enjoa com o anda-para. O percurso que de moto se faz em 15 minutos, de carro se leva o triplo ou mais. É irritante, é perda de tempo-vida! Tive que concordar: “Ok, alugue uma moto.” Mas eu continuaria usando mototáxi, o Gojek. Já me considerava corajosa ao encará-los: os motoqueiros voam, andam na contramão, fazem manobras duvidosas. Seguimos.
Depois de 3 meses sem endereço, chegamos na casa fixa por 8 semanas. Descontente com Gojeks que demoram para aceitar solicitações, cancelam sem aviso prévio e são imprudentes, tive uma ideia louca: “E se... eu também pilotasse?” A intuição dizia que eu conseguia. A razão só se lembrava do tombo de bicicleta anos atrás que resultou em dentes trincados e cicatrizes permanentes. Da frustração de ter reprovado no teste da máscara para tirar o certificado de scuba diver. Da falta de jeito com esportes desde criança. A intuição insistia. “Será que tem curso para aprender a andar de moto por perto?” Encontrei. Fiz duas aulas, morrendo de medo. Como foi difícil desapegar da minha versão desastrada!
Canhota, aprendi a controlar o acelerador com a mão direita. Pensamentos diabólicos tentavam me rebaixar. Respirei fundo muitas vezes. Vi outras mulheres pilotando. “Ora, eu também posso!” Inicialmente observava com assombro os vales profundos onde poderia cair caso me desequilibrasse. Agora, nem os noto. Devo atentar mesmo para galinhas e cachorros que invadem a rua, desviar da idosa carregando oferendas na cabeça, e buzinar para avisar que estou passando.
Alugar a moto em meu nome foi uma vitória. Teve foto em comemoração e parabéns dos filhotes. Já consigo levá-los à escola! Noutro dia, tomei coragem para encarar o percurso mais perigoso do nosso dia a dia. Um sobe e desce estreito, beirando um vale extenso. Tinha pânico de precisar parar no meio da subida íngreme. Então, percebi que estou no controle. Respirei. Deixei a insegurança falando sozinha. Confiei.
Hoje, não imagino a vida aqui sem moto. É a aventura dentro da aventura. É liberdade. Sou motoqueira! Hoje, e amanhã, e depois, venço mais um desafio. Aprimoro meu autoconhecimento, mudo de opinião e supero pensamentos diabólicos. Que tenhamos cada vez mais coragem de colocar o medo na garupa e acreditar em nossas capacidades.
Colocar o medo na garupa. Ele até vai com a gente, mas quem está na direção somos nós. Beijos!!
Eu tô morando nesse texto!!!
Maravilhosa essa motoqueira! 👏🏼👏🏼👏🏼
Fiquei corajosa para tentar algo novo eu também! 👀
Beijo!