Minha relação com esportes sempre foi tortuosa. Gordinha, tímida e desajeitada, na escola era sempre a última a ser chamada para participar de qualquer time de qualquer modalidade. Gostava de vôlei, mas era uma negação na quadra. Lembro-me de torcer demais para a seleção Brasileira nas Olimpíadas de 1992 - quando, de fato, o Brasil conquistou a medalha de ouro. Nessa época sonhava em ser jornalista e relatei, em tom de reportagem, o feito no meu diário (mas isso é assunto para outra hora). Também cheguei a fazer aulas de jazz quando nova, mas não me encontrei. A timidez, essa danada, não me permitiu que evoluísse a contento, e desisti.
Corta para 2011. O namorido empolgado com corrida, já participando de provas de rua, nos inscreveu para os 20km de Lausanne (Suíça), cidade onde morávamos na época. Eu correria 10km. Aham, jura. Naquele ano (e antes), foram algumas tentativas de começar. Sempre priorizei a academia, e me esforçava para me entender com a esteira. Quase 'morria’ toda vez que testava correr um pouquinho - de suor, de cansaço, de vergonha. Primeiro que meus batimentos ficavam tão acima do ideal para a minha idade durante o exercício que achava que teria um ataque cardíaco (e outras pessoas se horrorizavam quando eu mencionava os batimentos por minuto). A arritmia, que me acompanha desde os 16 anos, também aparecia, e a ansiedade já começava aí. Em seguida, vinham os pensamentos diabólicos: “Tem alguém me olhando?”; “Tô parecendo uma pata correndo” (nada contra os patos - são fofos, porém, desajeitados, vamos combinar); “Tá doendo o joelho"; “Tenho o quadril muito largo, não favorece a corrida"; ”Não aguentei nem 1km, que fiasco!”; “Não levo jeito pra isso mesmo, melhor parar”. Viajamos para a Ásia semanas antes, e voltamos no dia anterior da corrida. Jet lag bombando, cansaço, zero treino… adivinha o que aconteceu? Andei, diria, mais da metade da prova. Cheguei meio passando mal, meio aliviada - “Ok, terminei", e 100% desencantada - “Viu? Não é para você mesmo, desiste". Fui classificada na posição 692 entre 710 mulheres na categoria 10km, o que selou qualquer esperança de conseguir correr qualquer distância que, na época, considerava decente.
Ahhh, menininha, quanto julgamento! Quanto desprezo pelo seu esforço, quanta falta de gentileza consigo mesma.
Corta para 2020. Brasil, pandemia, 38 anos. Funcional três vezes na semana, religiosamente - de fato, a primeira vez em que consegui manter a constância nos exercícios. Fizesse chuva, sol ou vento, eu estava lá. As aulas eram ministradas dentro do condomínio em um espaço aberto, então não existiam desculpas. Até que… dois anos depois, o corpo começou a pedir mais. Decidi dar mais uma chance para a corrida. O agora esposo me apresentou um circuito de um quilômetro na rua, pertinho de casa, agradável e tranquilo cedo de manhã. “Não tenho nada a perder", pensei. Desta vez, fui com o foco apenas em completar o circuito - e nem aí para o que pensariam daquela ‘desajeitada corredora' tentando manter o ritmo, ou melhor, não parar.
Era isso. Não parar. Diminuir o compasso se necessário, respirar e controlar a ansiedade. NÃO PARAR.
“Você não precisa provar nada para ninguém”. O objetivo de não parar me motivou a completar um quilômetro. Subsequentemente, completei dois e três. Até que… completei uma prova de 6km na areia. Não sem “Meu Deus, os primeiros 3km pareceram 10km!", não sem “Socorro, não venço essa subida!", mas também com “Só vai!”, e também com “Você consegue: diminui o passo mas não para!".
Até hoje, minha corrida mais longa foi de 7,6 quilômetros. Depois que engatei nos treinos e consegui aumentar as distâncias, me permiti caminhar no meio do percurso para coordenar a respiração com um gole (ou um banho) d'água quando sinto que preciso. Em um minuto ou dois, volto a correr até que o corpo diga chega, até que a agenda chame, até que a terapia do dia tenha acabado. Quem diria? A corrida virou minha terapia. O ritmo e o cenário me permitem ruminar pensamentos, desabafar em forma de uma exalação profunda depois que o suor toma conta dos meus cabelos, e até chorar frente a um ‘a-há’ daqueles. Imagina a cena? Isso quando não estou cantarolando e gesticulando alguma música preferida. Você decide o que é mais estranho; eu só ‘sinto’ e transformo a enxurrada de emoções e questionamentos em neurotransmissores do bem.
Às vezes vou sem vontade e sem objetivo, só para espairecer. Às vezes vou com preguiça, com TPM, no horário trocado. Já levei susto de cachorro e de carro. Às vezes só dá tempo de correr três ou quatro quilômetros na esteira mesmo, mas o essencial, aprendi, é ir. Eu nunca - nunquinha! - me arrependi depois de ter corrido.
Tenho uma prova de 10 quilômetros daqui a quatro semanas. Sinto ansiedade (olá, conhecida!) e medo. Ansiedade de não conseguir treinar adequadamente até lá; medo de não terminar o percurso e me achar um fracasso. Mas tenho me esforçado para encarar isso tudo de maneira mais leve. O importante é competir, sim!, o importante é reconhecer meu esforço, o importante é não faltar à terapia comigo mesma. O processo tem me tornado uma pessoa melhor, e isso não tem preço.
Vá. Não pare. Supere um julgamento interno, um pensamento diabólico e um quilômetro por vez.